O equilíbrio do desequilíbrio da vida.
É nesse lugar que vem a leveza. Qual a música representa a sua vida?
Não era o texto da semana, mas com todas as mulheres com quem troquei nos últimos dias, esse tema vem na nossa conversa e como eu tive um gatilho dias atrás, estava com muitas coisas dentro de mim. Esse tal equilíbrio da vida vem realmente de uma vida equilibrada?
Dentro de muito do que refleti, sinto que vida não é equilíbrio, que essa é a pior coisa que nos inventaram. E o que seria mais harmonioso? Percebi que preciso olhar a fase da vida que estou e entender qual delas precisa mais de mim agora, qual a minha realidade, o que escolhi e como escolhi viver. A vida é de fases, assim como na música. A harmonia musical é a combinação de notas que geram sons que se equilibram entre si. A música também tem o ritmo e a melodia. E se pensarmos bem, a música que gostamos não é linear (fica um pouco entedioso, né?), tem suas variações, a parte que se repete que flui o cantar mais fácil, ênfases em sons e velocidades diferentes. E todas essas fases da música que variam se equilibram em harmonia, assim como a vida. Vai ter a fase das crianças, como teve uma fase que tudo era sobre mim, a fase da mãe de um filho só, a fase das amigas, do marido, do trabalho, onde estive ausente em outras áreas da vida. Mas não devemos focar em uma coisa só e abandonar tudo ao ponto dos pratos se despedaçarem de forma a ficarem irreconhecíveis e não nos nutrirmos de mais nada.
Nenhuma uma área se sustenta quando abandonamos o resto que compõe a nossa vida, mas as bolinhas que mantemos no ar vão sempre precisar se revezar.
A fase dos filhos pequenos nos demanda muita atenção, eles precisam mais de nós. Mas lembra? Principalmente nesse papel, é preciso cuidar de si para cuidar do outro, manter um pouco de tudo em doses mais concordantes com a fase em que se está.
Não é possível ser tudo com a mesma intensidade já vivida em todas as áreas da nossa vida. É preciso abandonar nossas antigas versões e nos alinhar mais com o que é possível.
Manter todas as bolinhas no ar na mesma altura é até humanamente impossível. Pensa nessa cena? E ser sua melhor versão em todas áreas da vida ao mesmo tempo? Fisicamente não dá, imagina mentalmente.
É preciso encontrar espaços para essas outras coisas sim, mas de forma mais leve e mais real, até mais honesta, sem comparação, para que não se torne mais um peso, culpa ou frustração.
E a vida muda e tudo vai se encaixando novamente. Eu jamais posso tentar ser profissional que eu era com 2 crianças pequenas em casa, por que se eu for, alguém vai estar ocupando o meu papel com elas, porque elas estão em uma fase que precisam de um adulto e esse hoje é o papel em que eu quero estar.
Vou contar o que aconteceu dias atrás. A Flora (depois de quase um ano) começou uma resistência para ficar na escola. Dentro do carro ela já começava: “Flora não quer escola”. Algo novo aconteceu. Depois da adaptação, que foi feita da forma lenta, por 2 meses, 1h por dia, 2h por dia… a cada semana mini passos, mais gradualmente possível, ela engatou e passou a ir feliz. Algumas das primeiras palavras que aprendeu falar foram os nomes das professoras, por sorte, o nome de uma delas é o mesmo que o meu. Rs
Na subida da escada, em frente a escola, ela já não queria ir ao solo, como fazia antes. Me abraçava com força. Qual coração de mãe não sofre com isso? Já em frente à sala, tudo que um dia funcionou (a fruta, o brinquedo, o colo da professora preferida), não era mais atrativo. Saí alguns dias com ela chorando, sendo acolhida, o que dava um pouco de acolhimento a mim também. Entrava no carro e me sentia muito triste. “Será que não há uma maneira dela ficar sem sofrer novamente?” E a cada dia tentava de novo. Cheguei a ficar uns 30 minutos testando formas dela ficar, e quanto mais eu ficava na escola, percebia que mais era difícil eu sair. O que me mantinha tranquila era eu saber que 5 minutos depois vinha uma foto dela feliz brincando e explorando tudo em atividades diferentes.
Decidi conversar com a professora, entender se algo havia ocorrido para ter agora essa resistência. Nessa fase rolam as mordidas, empurrões e medos. Mas nada tinha acontecido. E ela me disse: “Talvez pegá-la um pouco mais cedo, ajude”.
Nossa. Um super gatilho pra mim. “Mais cedo?!?!” Um discurso vem a mente. O horário da escola é das 8:00 as 18:30, já estipulei que os 2 frequentam dentro dos limites do horário de chegada (9:30) e da hora já liberado da saída (17h), para nossa manhã ser menos corrida, tomarmos o café da manhã todos juntos. Nosso fim de tarde ter tempo para eles brincarem entre eles, com a gente e com seus brinquedos, e para as 19h estarmos toda a família juntos para o jantar. Sentar à mesa para o jantar é uma prioridade e regra da casa, assim como ser eu a preparar as refeições diariamente. No meu ponto de vista, eu faço o meu mais cedo, já estou no “meu melhor” dentro da minha possibilidade. Mas o comportamento dela também me sinalizava que ela precisava mais de mim. Ela voltou às noites muito turbulentos e andava muito chorosa pedindo por mim. Talvez um tempo só dela comigo seja o caminho mesmo. Ela está sempre comigo com o irmão, com o pai, com as coisas da casa entre nós. Isso já vinha na minha cabeça.
E esse lugar de privilégio de poder responder “Sim, vou buscá-la mais cedo hoje”, me traz um pouco de angústia. Porque assim como ela precisa de mim, tenho na minha lista de desejos ter um tempo para o Bento só comigo também, o seu momento de filho único. Realmente acredito na importância de cada um deles ter um tempo exclusivo comigo. E fiquei pensando que também poderia ter um tempo exclusivo comigo mesma, não que não passe horas sozinha, porque solidão é hoje uma grande parte da minha vida, mas estou sempre em volta de trabalho, casa, coisas dos filhos, estudos e a minha companhia distraída, divertida, encontro poucas vezes.
Me deu vontade de me levar para passear, já tinha pensando em fazer uma sexta-feira mais curta para me dar esse presente na semana e aproveitar e explorar um pouco onde eu vivo como turista (que é hoje tão raro). E meu marido? Tenho certeza que ele também precisa de um pouco mais de mim. Meu novo trabalho? Nossa, esse precisa muito mais de mim. Meus cachorros? Acho que eles nem se permitiriam entrar no final dessa fila.
“Eu sou só uma!!!”
Então quando a educadora da Flora me fez essa pergunta veio culpa, raiva, revolta. Mas respirei, li de novo, deixei o gatilho “não sou boa suficiente” passar, e pensei: “Sim, posso buscar mais cedo, eu faço a gestão da minha agenda. Ela é a minha prioridade nessa fase da vida e vivo esse privilégio.”
Sempre há como fazer pequenos ajustes, mesmo que temporários, se a gente acha que são válidos.
E assim, peguei ela mais cedo alguns dias, foram 15 minutos apenas, a gente ficou brincando juntas antes de buscar o Bento ali mesmo em frente a escola. Também tenho deitado com ela antes dela ir para cama dela, ela ainda mama um pouco, trocamos olhares e carícias próximas e ela vai com o pai. Depois fico sozinha com o B, lemos um livro juntos, vou com ele até o quarto dele, conversamos sobre o nosso dia, o que podemos agradecer e o que vai acontecer o dia seguinte, trocamos longos abraços (para gente ouvir o coração um do outro) e muitos beijinhos. Assim tenho nutrido os 2 diariamente. Depois deito vou ler meu livro, conversar com o marido e me adaptando nessas rotinas que mudam.
Sim, a Flora precisava mais de mim. Ela voltou a ficar mais feliz na escola, tinha dentro disso um novo dente, uma gripe e eu vi até como uma insegurança do salto de desenvolvimento que ela passou recentemente com a fala.
Nunca é uma coisa só, né? Nem na saúde e nem na maternidade.
E dentro dessas ausências, onde sinto que falta muito de mim em tantos outros lugares, tenho procurado espaços para achar harmonia do desequilíbrio da vida, sem esquecer de mim. A harmonia, onde respeita as fases, é o que acredito ser o caminho.
Ah! E o resto da lista? A gente segue do desequilíbrio. Por que, né? A vida acontece nesse lugar.
E essa sensação materna da mulher que não está dando o suficiente em todas áreas da vida, que sempre falta no nosso casamento, que tem aquele dia lá que definimos que seria do casal que tem falhado tanto, que no trabalho queria fazer as coisas com mais foco e calma, com os nossos filhos, com as amigas, eu faltando comigo mesmas nos meus autocuidados, é um super cilada, por que não precisamos preencher tudo isso em 100% dos nossos dias.
E essa busca de equilíbrio onde eu não falto em nada é surreal, cansativo e nos consome demais. Esse ideal onde eu chego e consigo dizer que não estou faltando em nada, não existe. Não dá para estar totalmente em tudo.
Se a gente, dentro da nossa realidade, onde o dia tem realmente 24 horas para tudo e somos uma única pessoa com muitos papéis, interesses e necessidades também, a gente colocasse presença e não a quantidade de horas, talvez a gente encontre uma paz de estarmos fazendo o nosso melhor e o possível. E todo mundo se sinta importante com aquilo que é real. Porque sair antes do trabalho, mas ficar no celular resolvendo o que não fechou, só vai fazer tudo ainda mais difícil, e o tempo de qualidade do filho e a entrega profissional que eram para ser algo bom para você, vai causar apenas irritação e desgaste.
E pontualmente, quando encaixar, se dedicar aquele um extra naquele momento que se tem o privilégio de poder fazer. Eu, toda vez que sinto que algo é necessário e posso, faço, altero um pouco a rotina que fica mais apertada, mas depois volto para aquilo que encaixa melhor para todos, inclusivo para mim.
Ah! E reafirmar alguns contratos, também pode ajudar. Confirmar para cada um que está na nossa vida, os acordos atuais: “Amigas vou faltar um pouco, mas me resgatem para um café”, “Marido, te amo tá? Só está tudo cansativo.” “Família, ajuda!”. Renegociando quem você pode ser em cada lugar, alinhado mais com a sua fase, nos seus relacionamentos, nos compromissos e nas áreas da vida. Jogar mais limpo consigo e com todos. Com limites, respeito e cuidado. Lembrando que é tudo temporário, são ciclos.
A vida tem que estar mais em harmonia, com coerência para cada fase da vida.
Voltando a música... Se você fosse escolher uma, com uma harmonia que goste, para ser a trilha sonora hoje da sua maternidade e da sua vida, qual música seria?